Qual é a primeira etapa de um tratamento psicanalítico?
Inicialmente, devo fazer um aviso: quando digo que em geral os pacientes se eximem da responsabilidade por seu sofrimento ao entrarem em análise, não estou fazendo nenhum tipo de juízo de valor sobre tal comportamento. Não estou dizendo, portanto, que o correto seria o paciente agir de maneira diferente. Nós agimos assim o tempo todo, inclusive num nível social, basta ver a nossa relação com os alagamentos urbanos: sempre os responsáveis por tais coisas são as outras pessoas que jogam lixo nas ruas ou o governo que não cria estratégias de prevenção; nós mesmos não temos nada a ver com a coisa…
Então, quando a gente entra em análise, fazemos o mesmo, só que com os nossos sintomas, ou seja, com aquilo do qual a gente se queixa, que não gostaríamos de fazer, mas fazemos. Sempre achamos um culpado para eles: “Sou assim porque minha (meu) mãe (pai)…” é talvez uma das frases que mais se ouve num divã. Mas o culpado não precisa ser feito de carne e osso! Pode ser o despertador que, por um defeito qualquer, não tocou e fez o cara perder uma excelente entrevista de emprego. Vejam: não foi ele que dormiu a mais, foi o despertador que não tocou… Esses são apenas alguns de incontáveis exemplos.
Com efeito, quando se entra em analise é hora de mudar essa posição de passividade. E como isso acontece? Através de um processo que os analistas lacanianos chamam pomposamente de “retificação subjetiva” e que não acontece só no início, mas ao longo de todo o tratamento. O que significa isso? A retificação subjetiva corresponde a intervenções, isto é, falas, interpretações, encerramento da sessão, silêncio, cujo objetivo é mostrar ao paciente que aquilo do qual ele se queixa também lhe é útil. Nesse ponto, o leitor pode perguntar: “Mas, peraí, como pode ser útil se o faz sofrer?”. E eu respondo: útil na medida em que “resolve” determinados conflitos inconscientes, ou seja, como realização de intenções que até então o paciente ignorava que possuía. Ora, não é paradoxal que justamente aquilo que o faz sofrer tanto seja justamente o que o paciente não consegue deixar de fazer? Por que isso acontece? Justamente por que aquilo que conscientemente o faz sofrer, no nível inconsciente o satisfaz, resolvendo determinadas questões que se deixadas em aberto o fariam sofrer muito mais. O doente é, portanto, levado a um estado em que não é possível mais infligir culpa a ninguém por sua condição, reconhecendo que é ativo em seu próprio sofrimento.
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